Toda mulher, desde que nasce, convive com o mito do amor romântico. A maioria de nós já sonhou um dia em encontrar um príncipe para chamar de marido – um homem que nos ame, nos traga flores e nos trate bem.
No entanto, o discurso do amor romântico serve para nos colocar no lugar de “presas frágeis”. Ele prega de forma sutil que precisamos ser conquistadas e convencidas pelo amor dos homens; que precisamos de alguém para nos proteger, nos amar, nos dar felicidade e sentido à nossas vidas. O homem romântico é essa pessoa: o cara que foi quebrantado pela força do amor, que nos cerca com flores, beijos, carinhos e proteção; que nos “salva” da condição menor de ser mulher e nos dá uma importância. Sem ele, não somos ninguém.
Sabemos que esse mito é fruto de uma construção patriarcal e machista e é reforçado dia após dia na literatura, nos filmes, novelas, músicas e em milhares de manifestações e produtos artísticos / sociais. Mas até que ponto racionalizamos esse conhecimento e adotamos uma postura de defesa em relação a essa armadilha?
Percebo que existem muitas mulheres se desapegando desse mito e entendendo que suas vidas vão muito além de um romance. E isso é ótimo! Mas existem outras tantas que continuam presas a ele, ainda que seu discurso diga o contrário. Não estou aqui para julgá-las, pois sei o quanto é difícil romper com um pensamento dominante que está posto há séculos na nossa sociedade, mas quero trazer um reforço para ajudar nesse processo de libertação – que é longo, penoso, mas pode, sim, ser exitoso!
Vejo muitas mulheres se deixando levar por tão pouco e se iludindo com homens que não merecem sua companhia. E isso independe de grau de instrução, nível social ou até mesmo aparência, como muitos podem pensar. Um homem precisa fazer pouquíssimo esforço para enganar uma mulher porque o mito do amor romântico está aí bem sedimentado para fazer todo o trabalho de convencimento, de modo que eles precisam apenas seguir a cartilha.
O mito do amor romântico nos ensina três grandes falácias: 1) que os homens são insensíveis por natureza e que o fato de estarem ali, expondo seus sentimentos para uma mulher, só pode ser uma prova de que não estão mentindo; 2) que estamos fadadas à infelicidade se não tivermos um grande amor; e 3) que o amor das nossas vidas vai chegar de uma forma arrebatadora, surpreendente (quase apoteótica, eu diria). Percebe o perigo desse conjunto de premissas? O mito do amor romântico nos fragiliza porque não nos permite desconfiar de um cara que diz “eu te amo” só porque ele é homem. Como os homens têm dificuldade de assumir seus sentimentos, logo, quando o fazem, estão falando a verdade. Também nos fragiliza quando nos coloca numa situação de precisar do amor de alguém pra ser feliz e quando nos faz acreditar que o amor eros nasce do nada, apenas num olhar. Pronto: está posta a armadilha!
Não quero generalizar porque nem todos os homens são dissimulados nem mal-intencionados, mas tem muito homem que mente sobre seus sentimentos, sim. Eles sabem que assumir o papel do cara que foi surpreendido pelo sentimento arrebatador do amor convence muitas mulheres! E a gente vê todo dia nos noticiários histórias de relacionamentos que não acabam bem porque o homem se aproveitou da fragilidade emocional de uma mulher para enganá-la, lesá-la e até matá-la. Mas não preciso pegar exemplos tão trágicos: quase todo mundo conhece um caso em que a mulher foi enganada por um homem casado ou se envolveu com um cara que dizia amá-la, mas que na verdade tinha outros interesses. Como tantas mulheres podem cair na lábia de cafajestes? Graças ao mito do amor romântico, que está entranhado em nós e faz com que o mesmo golpe, dado milhares de vezes por anos a fio, continue dando certo.
Precisamos nos livrar do mito do amor romântico de uma vez por todas, porque ele representa pra nós riscos reais! E vamos começar entendendo algumas coisas básicas:
Não foi por acaso que resolvi falar desse assunto no dia dos namorados. Nesta época somos levadas a reforçar em nossas convicções o mito do amor romântico. É mais fácil para o capitalismo, que assim pode vender mais, e para o patriarcado, que reafirma os nossos lugares na estrutura de dominação masculina. Por isso é importante questionar esse discurso.
Minha intenção é levantar uma discussão sobre como esse mito nos transforma em mulheres ingênuas e nos deixa vulneráveis aos mais diversos tipos de abuso. Isso se torna ainda mais perigoso quando se trata de mulheres cristãs, que já lidam cotidianamente com a naturalização do machismo e a supervalorização do casamento dentro da igreja. E quando se trata de mulheres negras cristãs, a opressão só aumenta, pois o mesmo racismo que as ronda com a ameaça da solidão também as empurra para relacionamentos fadados ao fracasso por medo de ficarem sozinhas.
Por todo o nosso contexto, que sempre discuto aqui no blog, é muito fácil ver mulheres cristãs entrando em relacionamentos abusivos ou sendo enganadas por homens mal intencionados, que querem apenas usufruir de sua posição social, de sua situação financeira, esconder sua verdadeira sexualidade atrás de um casamento de fachada, explorar sua virgindade ou simplesmente permanecer casados com uma mulher “direita”, que não vai retribuir ou reclamar das suas traições ou da sua vida desregrada. Acho que ainda temos muito o que discutir para extirpar de vez esse mito do nosso meio e trazer uma consciência maior sobre o que é um relacionamento de verdade, que vai muito além das encenações que estamos acostumados a ver, para que cada dia menos mulheres caiam nessas armadilhas. Espero ter ajudado a você que nos lê a pensar um pouco mais sobre isso.