Desde que comecei a fazer um programa de rádio com mulheres de outras religiões, a minha visão de mundo expandiu. Primeiro eu tive que quebrar a minha própria resistência: eu, mulher “crente”, autora de um blog cristão feminista, fazer um programa para promover outras crenças nas quais eu não acredito? E se isso descredibilizasse o meu trabalho no blog? Será que iria confundir as pessoas? Como eu ia falar de coisas que não creio sem parecer que estou crendo, mas também sem ofender quem crê?
No início pensei em desistir, parecia algo muito difícil. Nos primeiros programas eu me sentia uma impostora. Até que entendi que meu papel ali não é falar, mas deixar que as mulheres falem. Meu papel é dar voz a elas. Entendi que eu sou apenas a mediadora e, depois que essa ficha caiu, um novo universo se abriu pra mim. De lá pra cá tenho aprendido muito e quero falar um pouco dessa experiência.
Preconceito e controle
Uma das coisas que pude constatar fazendo o Madalenas foi o quanto nós, cristãos, somos preconceituosos com outras religiões. Não que isso seja uma grande novidade, mas ver como o preconceito se mostra na prática é assustador. A primeira preconceituosa que descobri foi eu mesma, já que não queria ter a minha imagem associada a outras religiões e tinha medo do que os meus pares iriam pensar de mim. Graças a Deus logo me libertei desse pensamento mesquinho e hoje agradeço a Ele por ter me dado essa oportunidade, mas ainda tenho que lidar com o preconceito alheio.
Por diversas vezes ouvi a recusa de mulheres cristãs em participar do programa simplesmente porque elas não queriam dialogar com outras religiões. Quem ouve o Madalenas sabe que não promovo debates e que a atmosfera é de diálogo e respeito, nunca constrangimentos. Mas por mais que eu deixe isso bem claro no momento do convite, ele nem sempre é aceito. No entanto, devo dizer que quando a convidada resistente aceita, sempre ouço um agradecimento após o programa, seguido de uma confissão: “eu não queria vir, mas foi tão bom…! Não era nada disso que eu pensava!”. E vale ressaltar: em um ano de programa, nunca uma mulher de religião não-cristã se recusou a participar por causa da presença de outras religiosas. Infelizmente essa carga de preconceito é bem nossa…
Outra coisa que ficou muito clara pra mim foi o quanto nós, mulheres que vivem uma fé, somos controladas e vigiadas pelas instituições religiosas. Não, isso também não é nenhuma novidade, mas confesso que ver de perto é muito mais chocante e doloroso do que saber que existe. Já convidei mulheres inteligentíssimas e experientes, que poderiam enriquecer o programa com suas contribuições, mas que tiveram que recusar o convite porque seus líderes religiosos não permitiram sua participação. Os motivos são sempre os mesmos: preconceito religioso (não querem que elas dialoguem com outras crenças) ou machismo. Certa vez tive que ouvir de um rapaz Testemunha de Jeová que a mulher que eu convidei não poderia comparecer porque lá as mulheres não podem falar em nome da religião. Se eu quisesse um “varão”, eles mandavam, mas mulher não. Passei vários dias chocada e indignada com essa resposta. Claro que nem todo mundo é tão franco desse jeito, mas a gente percebe que houve um cerceamento quando a convidada se empolga com o convite e depois liga ou manda uma mensagem pedindo desculpas e alegando “outros compromissos”.
Muitas vezes os líderes exigem que eu mande previamente as perguntas, para eles avaliarem o conteúdo da conversa. Não tenho problema nenhum em mandar, até porque meu objetivo é fazer um programa de qualidade. Se isso for para garantir respostas bem elaboradas, tá valendo. Mas fico me perguntando se esse pedido seria feito caso eu estivesse convidando um homem. Também me pergunto se um homem teria que pedir autorização ao seu líder para participar de um programa que só quer que ele leve as suas experiências de fé, que fale de uma perspectiva bem pessoal mesmo, e não institucional (entendo que certos assuntos precisam, sim, ter o aval da instituição, mas não é o caso da maioria dos temas que eu abordo no programa). E, ao contrário do que eu imaginava, esse comportamento controlador com as mulheres se manifesta em várias religiões, não apenas no meio cristão.
Mas nem tudo são espinhos
Apesar desses percalços, fazer um programa inter-religioso tem sido de grande valor para mim e para as mulheres que participam (espero que seja também para os ouvintes!). Precisamos desfazer a ideia de que as religiões não podem dialogar, que não há compatibilidade entre os discursos. Com essa experiência eu tenho visto que as divergências são meramente dogmáticas, mas que o princípio é o mesmo: praticar o amor. Não crer no que o outro crê não me impede de viver em harmonia com ele. Por diversas vezes tive a oportunidade de escutar yalorixás, espíritas, budistas e outras ensinando coisas que eu sempre ouvi e aprendi na igreja! Será que somos tão diferentes assim?
Nós, mulheres, precisamos falar das nossas experiências de fé, pois apesar de sermos maioria em muitas religiões, a vivência feminina do sagrado não é valorizada. São os homens que nos ensinam a viver a fé, são eles quem ditam as regras e geralmente não levam em consideração as nossas circunstâncias e necessidades. Aprendemos uma fé masculina, internalizamos dogmas masculinos e, frequentemente, machistas e desenvolvemos uma espiritualidade alienada de nós mesmas. Ouvir e aprender com outras mulheres é mais que preencher uma lacuna, é uma questão de sobrevivência.
Além disso, temos muito o que falar e ensinar porque somos nós quem sustentamos as instituições religiosas, justamente pelo fato de sermos maioria. Sem a nossa dedicação e esforço, elas não prevaleceriam (no sentido prático da coisa). Portanto, há muito que se aprender conosco sobre disciplina, cuidado, afeto, compromisso, intimidade com o sagrado e muitos outros aspectos teóricos e práticos que sabemos e desenvolvemos com maestria.
Por fim, nesse um ano de programa, aprendi duas coisas importantíssimas: a primeira é que o sagrado é feminino e a segunda é que a minha religião não é melhor que a de ninguém. Todas nós nos tornamos grandes por meio do divino que habita em nós e investir no nosso desenvolvimento espiritual nos torna pessoas melhores neste mundo tão cruel. É disso que precisamos, seja qual o for o credo religioso.
Comecei uma nova seção aqui no blog, onde você pode acompanhar as edições do Madalenas com temáticas cristãs.