Acho maravilhoso esse boom feminista que ganhou destaque nos últimos anos, impulsionado pela internet e redes sociais. Temos aprendido a usar essas ferramentas a nosso favor para amplificar nossa voz, informar outras mulheres e meninas sobre os nossos direitos, pressionar e, aos poucos, mudar uma realidade tão perversa conosco. Neste dia da mulher, um parabéns especial àquelas que trabalham (muitas vezes de forma voluntária) para promover esse debate tão importante e conscientizar cada dia mais mulheres!
Apesar de vivermos um momento ímpar na história, com uma ampla discussão sobre feminismo e várias conquistas alcançadas, não podemos perder de vista que ainda temos um longo caminho pela frente. Neste caminho estão milhares de outras mulheres que ainda não foram alcançadas por esses debates nem pelas nossas conquistas simplesmente por viverem numa realidade totalmente distante da nossa.
Segundo o IBGE, quase 65% da população brasileira já tem acesso à internet. Parece um número alto, mas um estudo encomendado pelo Facebook mostrou que o Brasil não está tão bem no ranking de internet inclusiva (que avalia aspectos como preço, qualidade da conexão, políticas para internet e educação dos usuários). Isso significa que não temos uma estrutura adequada que ofereça internet para todos, independentemente de renda e local de moradia, o que resulta em mais de 63 milhões de pessoas off line. Outro aspecto importante de se ressaltar é que, por não termos políticas eficientes de educação de usuários, nem todos que têm acesso à internet fazem um bom uso dela – e isso tem se mostrado preocupante quando observamos a proliferação de fake news e a credibilidade dada a elas, por exemplo.
Para além do mundo virtual, ainda de acordo com o IBGE, o Brasil tem 55 milhões de pessoas que vivem na pobreza (com renda mensal de até R$ 406,00) e mais de 15 milhões que vivem na extrema pobreza (com menos de r$ 140,00 por mês). Em termos de educação, os dados também não são nada animadores: temos 11,5 milhões de analfabetos, uma alta evasão escolar devido à necessidade de trabalho e uma quantidade expressiva de estudantes atrasados na escola, com idade incompatível com sua série. Vale ressaltar que a população negra é a mais atingida por todos esses dados negativos.
É importante refletirmos em cima desses aspectos para que não percamos de vista que o mundo vai muito além da nossa bolha. Apesar de vivermos um momento em que há uma ampliação significativa do discurso feminista, termos acesso a milhares de informações gratuitas sobre os nossos direitos, vermos campanhas e leis sendo pensadas e discutidas para nos proteger do machismo que ainda vigora, é fundamental lembrar que isso ainda não é para todas.
Existem milhares de mulheres pobres, com pouca ou nenhuma instrução, que sequer sabem dessas discussões; mulheres que travam todos os dias uma batalha pela sobrevivência, trabalhando dez, doze ou mais horas para ganhar um salário de fome; mulheres que não têm tempo nem energia para buscar seus direitos porque precisam garantir o pão na mesa dos seus filhos; mulheres que não conhecem nenhum grupo de apoio e encaram suas lutas sozinhas; mulheres aprisionadas por convicções religiosas opressoras, que não dispõe de outras fontes de informação para mostrar a elas que o Evangelho que aprendem em suas igrejas nada mais é do que um instrumento de controle social e de corpos femininos… mulheres que estão muito longe desses avanços que temos assistido por causa da nossa luta. Como podemos chegar até elas?
Primeiramente acho que temos que tomar consciência dos nossos privilégios. Somos privilegiadas, sim, pela educação que temos, pelos ambientes que frequentamos (seja ele escola, universidade, comunidades ou igrejas que incentivam o pensar), pelas informações e pelas oportunidades a que tivemos acesso. O que fazer com tanto privilégio? Desfrutar apenas? Não. Jesus disse que “a quem muito foi dado, muito será exigido” (Lc 12:48), logo, temos uma responsabilidade imensa diante do muito que nos tem sido dado. Como você tem usado seus privilégios para beneficiar aqueles que não têm? Seu feminismo chega até sua diarista, até a moça que faz a limpeza no seu trabalho, sua funcionária grávida, até a irmã mais humilde da igreja que passa por inúmeras dificuldades…? Como você tem compartilhado seus saberes e ajudado a libertar mentes oprimidas? Essas perguntas eu me faço todos os dias e acho que esse é o nosso maior desafio: botar em prática tudo que aprendemos com o feminismo, mesmo que isso signifique abrir mão das nossas vantagens.
Portanto, neste 8 de março, não vamos nos perder nas comemorações. Ainda tem muita mulher que precisa conhecer sua liberdade!