Eu cresci na igreja, participando ativamente dos trabalhos da minha comunidade: cultos, discipulados, corais, grupos de jovens e até assembleias deliberativas. Lembro de sempre lermos a Bíblia e discutirmos muito sobre seu conteúdo. Mas engraçado que eu não me lembro, em momento algum, de ter aprendido um cristianismo violento.
O cristianismo que eu aprendi e continuo aprendendo é altamente pacifista. É aquele que manda dar a outra face e perdoar o irmão 70 x 7 vezes. Eu nunca soube que Jesus apoiou ou participou de algum ato de violência ou atentou contra a vida de alguém. Quando Ele teve a oportunidade de autorizar o apedrejamento de uma mulher dentro das normas da lei, Ele não o fez (Jo 8:1-11). Jesus repreendeu Pedro por cortar a orelha do servo do sumo sacerdote, que o procurava para prender e matar, e o curou imediatamente (Lc 22:50-51). Jesus foi morto injustamente e não esboçou nenhuma reação agressiva. Como associar a mensagem deste homem a qualquer tipo de comportamento violento?
Bom, hoje eu tenho me questionado bastante sobre em que momento da história Jesus se tornou um símbolo de ódio, porque parece ter algo de muito errado na interpretação que as igrejas vêm fazendo da Bíblia. O que tenho visto de uns anos pra cá são igrejas que apoiam abertamente a causa armamentista, colocando no poder um homem que pautou sua campanha em discursos violentos e em promessas de armar o “cidadão de bem”. As igrejas têm dado seu apoio irrestrito a um presidente que, em meio a uma pandemia que já matou mais de duzentos mil brasileiros, se preocupa em alterar decretos para ampliar o acesso às armas e munições. Vacina? Medidas restritivas? Não, nada disso importa agora. O que importa é armar o povo, em-nome-de-Jesus-amém! Como esquecer a imagem icônica do presidente fazendo arminha com a mão ao lado de bispos evangélicos em plena Marcha pra Jesus? Nada mais eloquente do que esta imagem! No total, foram mais de 30 normas que facilitaram a obtenção de armas em dois anos de mandato, o que já está impactando nos índices de violência no país. Da parcela da igreja que o elegeu, não se ouve uma palavra de desaprovação.
Armas não têm outra finalidade a não ser matar. Igrejas não deveriam ter outra finalidade a não ser defender a vida. Não existe comunhão entre luz e trevas, já dizia Paulo (2 Co 6:14). Como conciliar uma mensagem de vida com uma prática de morte? Que Bíblia é essa que os crentes andam lendo? Que Cristo é esse que vem sendo pregado?
Estamos vivendo uma era em que muitas igrejas não fazem mais questão sequer de esconder seus interesses escusos: elas assumem abertamente. Os falsos profetas não se disfarçam mais. Mesmo assim encontram milhares de seguidores dispostos a viver uma religiosidade rasa, de fachada, seja para obter vantagens pessoais de qualquer ordem, seja para acalentar seus corações culpados.
E religiosidade de fachada é uma coisa que o brasileiro conhece bem, desde os tempos da colonização. Desde quando os padres vinham pra cá com o discurso de catequisar os nativos, mas na verdade muitos queriam mesmo era estuprar as índias ou se amasiar com algum jovem índio. Nossa cristianização começou bem torta, com uma igreja que legitimava a escravidão ao mesmo tempo em que pregava os bons costumes e fechava os olhos para a vida de promiscuidade e criminalidade dos ‘homens de bem’ (leia-se brancos colonizadores). E de lá pra cá pouca coisa mudou. Hoje a igreja brada contra a descriminalização do aborto, mas apoia política armamentista; diz que defende a vida, mas se cala diante do extermínio da juventude negra e fomenta discursos de ódio contra a comunidade LGBTQI+; insiste em defender essa tal de moral e bons costumes, mas não pune com o devido rigor os casos de pedofilia que acontecem em seu seio, os assédios sexuais dos pastores e a violência contra as mulheres. É, aprendemos direitinho como forjar uma fé da boca pra fora. Mas cristianismo não é isso, não.
O Deus que eu conheço jamais aprovaria essa igreja e tampouco as causas que ela elege como prioritárias. O cristianismo que eu aprendi e tento praticar dia após dia passa muito longe de qualquer tipo de violência. É um cristianismo que me tira da zona de conforto, que me faz renunciar aos meus próprios interesses em prol do bem coletivo, que me leva a quebrar meus preconceitos para exercer o amor ao próximo, independente de quem ele seja. Esse cristianismo que eu e muita gente séria pregamos e praticamos não tem nada a ver com o cristianismo oportunista que aparece na mídia todo dia, pregando prosperidade, aprisionando mentes, roubando os fieis, desvirtuando o Evangelho e apoiando políticas de morte. Ainda que ela tenha poder e dinheiro para eleger genocidas e para sair ilesa dos crimes que comete, ainda que consiga se tornar onipresente por meio dos veículos de comunicação e influenciar milhares de pessoas, não é ao lado dela que Cristo está e isso fica muito claro em Seu testemunho – basta abrir os olhos e ler o Novo Testamento.
Não se faz cristianismo com armas. Nem com ódio, nem com violência, nem com moralismo barato, nem com barganhas. Cristianismo se faz com amor, e é tudo que eu menos vejo nessa igreja desvirtuada e egoísta, que só pensa em estar ao lado do poder. Uma igreja tal qual Laodicéia (Ap 3:14-22), que pensa que tem tudo, mas não sabe o quanto é infeliz, miserável, pobre, cega e nua. Que os cristãos e cristãs que a seguem possam acordar dessa catarse coletiva e enxergar o verdadeiro Cristo, antes que seja tarde demais.
1 Comentário
Também conheci a Cristo e minha fé foi moldada apartir da igreja que você descreveu, um Jesus compassivo, misericordioso, que curava, alimentava e operava milagres nas regiões mais carentes da época.
Hoje fico estarrecido com o “nível” do cristianismo disseminado pelas poderosas igrejas “da moda”.
Uma das perguntas que mais me faço e de como essa geraçãobde cristãos apoia tudo isso que está aí.