Recentemente um ator causou polêmica ao se referir a uma cantora famosa dizendo que ela não é “mulher pra casar”, o que gerou uma enorme repercussão negativa. Mas qual é a novidade? O conceito de “mulher pra casar” já é velho conhecido da nossa sociedade machista. Mas pegando esse gancho, eu resolvi tratar de um aspecto que muitos não conhecem: no meio evangélico também existe essa divisão entre as “crentes pra casar” e as que não são dignas de um casamento. Antes de começar a falar sobre isso, porém, quero deixar claro que essa forma de classificar as mulheres cristãs não é uma regra em todas as igrejas – existem, sim, as que repudiam tal atitude e trabalham com a valorização do feminino. Mas como a igreja é um pedaço de mundo e como no mundo existe machismo, é claro que na igreja não poderia ser diferente.
Os parâmetros que definem uma “mulher crente pra casar” seguem mais ou menos a mesma linha de raciocínio do mundo secular, pois em ambos os casos parte-se do princípio de que algumas mulheres não merecem o casamento pelo seu “comportamento inadequado”. Só que na igreja talvez o moralismo seja um pouco maior, incrementado pelo ideal de “mulher virtuosa”. Existem, basicamente, dois perfis de mulher crente “pra casar”: o da igreja conservadora e o da igreja mais liberal. Em ambas ela precisa obedecer aos padrões bíblicos ditados por uma liderança machista, mas um detalhe as diferencia.
Na igreja conservadora, ela tem que ser desprovida de vaidade, discreta, sem ambição, ter espírito maternal, estar sempre pronta para servir e disposta a viver para o marido e para os filhos. Algumas igrejas chegam ao extremo de desencorajar o estudo e a vida profissional (sim, isso ainda existe!), pois, para elas, a vocação da mulher é tão somente para a família. Além disso, a mulher também tem que ser dedicada à oração, pois esta é a única forma de ação que muitas igrejas lhe permitem. É só por meio da oração que ela pode interferir na realidade, pois de um modo geral não lhe é permitido adotar uma postura proativa, já que ela é apenas “ajudadora” e o poder da ação é dado ao masculino. Este perfil conservador de “mulher crente ideal” dá margem para o surgimento daquela persona que quase todo mundo conhece (porque, inclusive, já viu): a mulher de coque, que não se depila, não corta o cabelo, não usa maquiagem nem bijouterias, se veste com roupas sem corte, coberta da cabeça aos pés, e anda com uma Bíblia grande embaixo do braço.
Já na igreja mais liberal há outro perfil de mulher crente “pra casar”, diferente mas igual. É uma mulher moderna, instruída, que tem uma profissão, que é incentivada a cuidar da aparência, se vestir bem, mas que, no entanto, também tem que ter as qualificações exigidas na igreja conservadora: espírito maternal, prontidão para o serviço, disposição para abandonar os estudos ou a carreira em prol do marido e dos filhos e, sobretudo, ser mulher de oração (leia-se “aquela que ora ao invés de discutir as decisões que os homens tomam por ela”).
A diferença entre esses dois perfis é uma só: as igrejas liberais descobriram que a mulher tem que ser ‘vistosa’ e ter um mínimo de instrução, pois, como muitos pastores pregam por aí, o “homem é atraído pelo que vê” e “tem que ter uma esposa que saiba conversar”. É tipo um plus. Mas sinceramente: eu não sei qual desses perfis oprime mais! O que muda é apenas a roupagem: em uma igreja, explicitamente, nada é permitido, enquanto que na outra parece que há maior liberdade e independência para a mulher, mas no fundo é só aparência, pois as exigências são as mesmas. As mulheres que fogem desses perfis estão condenadas aos julgamentos e à solidão.
Desde adolescente eu observo que, na igreja, as mulheres independentes, instruídas e menos propensas à serem “dominadas” são as que mais ficam solteiras. As que mais se aproximam do perfil ideal são as que casam mais rápido. Sim, há uma preferência pela “mulher crente pra casar”, mas isso não tem nada a ver com o fato delas serem melhores, e sim com o fato delas serem menos questionadoras e mais inclinadas a aceitarem uma vida de segundo plano, na qual sua individualidade será sempre esquecida.
Não quero, com esse texto, fomentar uma rixa entre as mulheres que obedecem ao perfil e às que não obedecem, pois somos todas irmãs e igualmente valorosas diante de Deus. Também quero deixar claro que não há problema em ser exatamente do jeito que as igrejas acham que devemos ser. Somos livres para sermos do jeito que quisermos. O problema é a imposição de um modelo de mulher crente virtuosa, ao qual muitas se veem obrigadas a seguir para que não sejam desvalorizadas. O que pretendo aqui, portanto, é apontar e criticar um sistema que tenta desprezar a nossa individualidade e nos dividir, elegendo um perfil certo de mulher, não para premiá-lo, mas para massacrá-lo de maneira mais fácil. A mulher que não obedece à cartilha machista de muitas igrejas é mal vista e sofre com as pressões, mas a mulher que obedece, apesar de receber o rótulo de “virtuosa”, é anulada por essa mesma sociedade que a elogia. Portanto, não importa de que lado você esteja – você vai sofrer e pagar um preço por tê-lo escolhido.
É por isso que temos que ser nós mesmas. Deus criou cada uma de nós com as nossas especificidades, com nossas qualidades e defeitos, com nossa individualidade. Ele não teve esse trabalho todo para que homens viessem desfazer e tentar padronizar tudo. Há um propósito na diferença, já falei sobre isso aqui.
Portanto, essa história de “mulher pra casar” é machismo, fora e dentro da igreja. Se um dia você ouvir isso a seu respeito, te aconselho a ficar de olhos bem abertos, pois no contexto machista em que vivemos isso não é um elogio – pode até ser uma ameaça. Todas nós somos mulheres pra casar SE quisermos casar. E todas nós temos valor, independente de querermos o casamento em nossas vidas ou não. Enquanto cristãs, nosso propósito é agradar e servir a Deus. O juízo de valor que fazem de nós não importa.
1 Comentário
Estou fazendo uma visitinha no seu blog e olha que não sou de comentar em blogs mas não posso sair daqui sem elogiar o conteúdo da sua página! Seu blog é uma luz em tempos de escuridão em um meio gospel aonde muitas vezes me fazem me sentir desajustada ou até mesmo “errada”.
Somos educadas a ser algo que não somos, fujindo até mesmo da originalidade que Deus tem para nós.
Parabéns pela iniciativa!